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Margarete Modas
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Em meio a passagem do furacão Laura, furacão Laura lembra 15 anos do Katrina e enfrenta devastação do coronavírus

No mundo

Enquanto a Louisiana sente os efeitos do furacão Laura, que chegou na quinta-feira (27/08) como uma das tempestades mais fortes a atingir a região, Nova Orleans, a maior cidade do Estado, marca neste sábado os 15 anos de uma tragédia ainda presente na memória dos moradores: a passagem do furacão Katrina.

Diferentemente de anos anteriores, quando o aniversário foi marcado por vários eventos públicos e a presença de autoridades nacionais, desta vez, as comemorações serão enxutas e online, em um momento em que a cidade enfrenta uma nova crise, com a pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

Nova Orleans emergiu como um dos primeiros epicentros da pandemia no país, e a Louisiana tem a maior taxa de casos per capita entre todos os Estados americanos, com mais de 145 mil casos confirmados e mais de 4,8 mil mortos.

A economia da cidade, baseada no turismo, foi duramente afetada pelo fechamento de bares e restaurantes e outras restrições para conter o avanço da doença. No Estado, calcula-se que a pandemia ja tenha custado o dobro do número de empregos perdidos em consequência do Katrina.

A programação oficial deste sábado será restrita a uma breve cerimônia às 8h29min, quando uma coroa de flores será depositada em um memorial à tragédia que deixou mais de 1,8 mil mortos e mais de 1 milhão de pessoas desalojadas na costa do Golfo do México.

Depois de 15 anos, o sistema de diques e barreiras para proteger a cidade contra furacões e inundações, cujas falhas levaram ao desastre, foi reconstruído e aprimorado. Mas muitos especialistas dizem que Nova Orleans ainda corre risco.

“Estamos melhor preparados hoje? Sim”, diz à BBC News Brasil o especialista em engenharia civil Robert Bea, professor emérito da Universidade da Califórnia em Berkeley que liderou uma análise independente das falhas que levaram ao desastre.

“Mas o ponto chave é que não estamos tão bem preparados quanto deveríamos”, afirma Bea, cujo estudo ajudou a orientar o trabalho de reconstrução do sistema de proteção.

Falhas

Mais do que um desastre natural, a tragédia do Katrina é considerada o resultado de inúmeras falhas de engenharia e administração.

Quando o furacão atingiu Nova Orleans, em 29 de agosto de 2005, cerca de 1,2 milhão de pessoas já haviam deixado a cidade, mas mais de 100 mil ficaram para trás.

No dia seguinte, os diques às margens do lago Pontchartrain e do rio Mississippi, construídos para proteger a cidade de inundações, se romperam, deixando 80% de Nova Orleans embaixo d’água e destruindo bairros como o Lower Ninth Ward.

Muitos morreram afogados ou em razão de ferimentos. Outros passaram horas presos em cima de telhados, à espera de resgate. Mais de 200 mil casas foram destruídas ou seriamente danificadas.

Milhares buscaram abrigo no estádio Superdome e no Centro de Convenções, que se transformou em símbolo das falhas na resposta das autoridades à tragédia.

O centro deveria funcionar como abrigo temporário até que o socorro chegasse e os moradores fossem direcionados a locais permanentes. Mas, diante da desorganização, os desabrigados acabaram permanecendo vários dias no local, sem água, comida, medicamentos ou segurança.

A devastação do Katrina foi agravada pela resposta ineficaz das autoridades. As principais críticas são direcionadas ao então presidente George W. Bush e à Federal Emergency Management Agency (Fema), a agência responsável por coordenar a resposta do governo federal a situações de emergência.

O desastre é considerado o mais caro da história do país, com danos calculados em pelo menos US$ 125 bilhões.

Muitos dos desabrigados tiveram de abandonar a cidade. Alguns levaram anos até conseguirem retornar. Outros nunca voltaram.

A população de Nova Orleans, que era de 485 mil antes do Katrina, caiu para 230 mil em 2006. Atualmente, a cidade tem em torno de 390 mil habitantes.

Reconstrução

Enquanto o furacão e a inundação atingiram tanto moradores negros quanto brancos, o período que se seguiu ao desastre ressaltou as desigualdades raciais em Nova Orleans, cidade em que 60% da população é negra.

“Não acho que as áreas com grande número de moradores negros foram necessariamente mais atingidas pelo furacão”, diz à BBC News Brasil a professora de estudos africanos Nghana Lewis, da Universidade Tulane, em Nova Orleans.

“Mas no que aconteceu na sequência, no processo de oferecer meios para que as pessoas pudessem voltar para casa e se recuperar, houve um impacto negativo desproporcional sobre a população pobre da cidade, que também é, na maioria, negra.”

Lewis observa que muitas dessas pessoas não tinham seguro, ou moravam em casas alugadas, ou habitadas havia várias gerações por suas famílias. Sem o título de propriedade, não tinham como receber auxílio financeiro para recuperar as casas danificadas.

Após a reconstrução da cidade, houve um salto nos preços dos aluguéis, o que impediu que muitos moradores pobres voltassem para os bairros em que viviam antes do Katrina.

As disparidades raciais continuam presentes na cidade, onde a taxa de pobreza entre a população negra é o triplo da verificada entre a população branca.

Futuro

O Katrina não foi o primeiro grande desastre a atingir Nova Orleans, em uma região que, todos os anos, entre agosto e outubro, enfrenta o pico da temporada de furacões.

Quarenta anos antes do Katrina, em 1965, o Betsy inundou a cidade e obrigou 260 mil pessoas a abandonarem suas casas. Depois do Katrina, vieram Rita, Gustav, Ike, Isaac e outras tempestades com diferentes graus de intensidade.

No início desta semana, havia o temor de que a região fosse sofrer o impacto duplo dos furacões Marco e Laura. No fim, apesar dos estragos do Laura na Louisiana, a cidade não foi atingida.

A reconstrução do sistema de proteção em Nova Orleans custou US$ 14,6 bilhões. No ano que vem, devem ser pedidos ao Congresso americano mais US$ 3,2 bilhões para garantir que o sistema continue atualizado.

O novo sistema foi construído para resistir a um furacão tão intenso que teria apenas 1% de chance de ocorrer em um ano.

Mas críticos afirmam que isso não é suficiente, especialmente à medida que mudanças climáticas podem afetar a intensidade e frequência dos furacões.

Esse nível de proteção foi decidido com base na comparação entre custos e redução de perdas. Mas, para os críticos, a decisão deveria ser baseada no pior cenário possível, e não apenas em uma análise de custos e benefícios.

“O sistema tem alguns elos fracos”, analisa Bea, o especialista da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Ele ressalta que, caso um desses elos se rompa, coloca em risco o resto do sistema, deixando a cidade vulnerável a uma nova catástrofe.

“(A proteção atual) é suficiente?”, questiona Bea. “A resposta é um grande não.”

Fonte R7

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