Imagine a seguinte situação hipotética:
Ana, criança de 5 anos de idade, representada por sua mãe Carla, ingressou com execução de alimentos contra Pedro (pai da autora) cobrando R$ 5 mil de parcelas atrasadas.
Algumas semanas após ter início o processo, as partes fizeram um acordo extrajudicial e o advogado da exequente apresentou uma petição ao juiz na qual Carla declarava que estava renunciando os R$ 5 mil cobrados na execução.
Diante disso, o magistrado extinguiu o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, III, “c”, do CPC:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
(…)
III – homologar:
(…)
c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
O Promotor de Justiça que estava atuando no processo como fiscal da ordem jurídica não concordou e interpôs apelação alegando que a obrigação alimentar possui caráter irrenunciável e personalíssimo e, portanto, não seria possível que a genitora tivesse renunciado a verba alimentar da qual sua filha, absolutamente incapaz, é credora.
O Tribunal de Justiça manteve a sentença e a questão chegou até o STJ.
O STJ acolheu a tese do Ministério Público?
NÃO!
O STJ, ao interpretar esse dispositivo, afirma que:
- o direito aos alimentos presentes e futuros é irrenunciável;
- essa proibição de renúncia não se aplica para as prestações vencidas;
- assim, o credor pode deixar de cobrar as prestações vencidas mesmo que já esteja na fase executiva.
A proibição de que haja renúncia do direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos. Contudo, essa irrenunciabilidade atinge tão somente o direito, e não o seu exercício.
“(…) A irrenunciabilidade atinge o direito, não seu exercício. Se de um lado, não é possível a renúncia ao direito a alimentos, de outro não se pode obrigar o beneficiário a exercer esse direito. (…)
A irrenunciabilidade diz com o direito a alimentos e não com as prestações vencidas e não pagas. Não alcança o débito alimentar. Mesmo quando o credor é incapaz, é admissível transação reduzindo o valor da dívida.
Ou seja, o credor não pode renunciar ao direito de pleitear alimentos. Mas, em sede de cobrança, a transação perdoando ou reduzindo débitos pretéritos pode ser homologado judicialmente.” (DIAS, Maria Berenice. Alimentos: direito, ação, eficácia e execução. 2ª ed. São Paulo: RT, 2017, págs. 38-39).
No caso, a extinção da execução em virtude da celebração de acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo, pois não houve renúncia aos alimentos vincendos, indispensáveis ao sustento da alimentanda.
As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados (alimentos pretéritos). Para isso, não existe óbice legal.
Vale ressaltar, ainda, que, especialmente no âmbito do Direito de Família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos.
Fonte: Dizer o Direito