Às escondidas, Gabriela* precisou viajar sete horas de sua cidade natal até a capital Belo Horizonte para ter acesso ao aborto legal. Grávida após um estupro, a adolescente de 14 anos teve o direito negado em uma sentença judicial embasada no suposto “direito do nascituro”. Três semanas após o caso da criança de 10 anos do Espírito Santo que, também grávida de seu estuprador, teve o aborto negado em seu estado, Gabriela viajava com medo. Temia que, se fosse descoberta antes de chegar ao hospital, grupos antiaborto tentariam impedi-la de realizar a interrupção da gravidez garantida por lei. De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, semanas antes, a juíza que havia analisado seu caso, teria compartilhado em um grupo de WhatsApp a sentença que negava o direito ao aborto para a adolescente. Na pequena cidade de Gabriela, a notícia de que ela estava grávida tinha se espalhado e profissionais de assistência social do município haviam aparecido dezenas de vezes na porta de sua casa, pressionando para que a menina fizesse o pré-natal.

O pesadelo começou na noite em que a menina fugiu de casa. Após uma briga com a mãe, ela correu para uma área de mata perto de sua casa para ficar sozinha. Não ficou. Lá, o ex-namorado encontrou-a e submeteu-a a duas relações sexuais sem consentimento. “Por que você não mata meu desejo?”, disse o ex-namorado antes de derrubá-la no chão. O “não” que Gabriela disse não impediu que o jovem de 21 anos a violasse.

O estupro resultou em uma gravidez, descoberta pela adolescente e sua mãe dois meses após a violência sexual. “Uma gravidez que poderia ter sido evitada caso a equipe médica tivesse seguido o protocolo para vítimas de violência sexual”, aponta Sandra Barwinski, advogada que prestou assessoria no caso. No dia seguinte ao estupro, a menina juntou coragem para contar à mãe o que havia sofrido e, queixando-se de dores na região pélvica, foi levada ao hospital de sua pequena cidade, no norte de Minas Gerais.

Segundo a Norma Técnica do Ministério da Saúde que trata do atendimento em casos de violência sexual, as vítimas devem ser acolhidas na unidade de saúde, passar por exames e receber medicamentos para evitar gravidez, HIV e infecções sexualmente transmissíveis. Na seção “pontos importantes”, a norma orienta que é fundamental “respeitar a fala da vítima, auxiliando a expressar seus sentimentos, buscando a autoconfiança”.

Na unidade de saúde, Gabriela relata ter sido desacreditada pelas médicas. No prontuário da consulta, ao qual à Agência Pública teve acesso, está registrado o relato dela sobre o estupro, seguido da observação: “a menina apresenta fala incoerente e face risonha”. Assustada e desconfortável, Gabriela, uma adolescente negra, filha de empregada doméstica, não ousou fazer mais perguntas às médicas. “Depois de avaliar meu corpo, elas pegaram e disseram que não tinha sido isso [estupro] porque no corpo não tinha marca nenhuma de violência”, lembra.

A menina não recebeu a contracepção de emergência — conhecida como pílula do dia seguinte — e nenhuma medicação para evitar doenças sexualmente transmissíveis. Também não foi encaminhada a atendimento psicológico, como preconiza a Norma Técnica. “É uma desassistência chocante”, avalia Cristião Rosas, médico e vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

“Não oferecer a contracepção de emergência e profilaxia para DSTs em um caso de emergência como esse é a mesma coisa que receber uma pessoa baleada, não prestar o atendimento e mandar o ferido para o Instituto Médico Legal para fazer somente o exame de corpo de delito”, disse à Pública.

Gabriela relata que, após o atendimento no hospital, registrou o Boletim de Ocorrência e não recebeu outras orientações. A menina conta que não foi informada de que poderia engravidar e de que, se engravidasse, teria direito a um aborto legal e gratuito.

“A formação médica é muito deficiente. A imensa maioria dos médicos não estudaram na faculdade as normas e orientações sobre a interrupção da gravidez, quem dirá atendimento à vítima de violência sexual”, lamenta Helena Paro, ginecologista que coordena o serviço de aborto legal do Hospital das Clínicas de Uberlândia (MG). A médica aponta que, além da falta de formação para os médicos, tem aumentado a pressão sobre os profissionais e serviços que fazem o aborto previsto em lei. “Tem crescido uma movimentação para deixar os profissionais com medo, com receio de insegurança jurídica”, diz.

Na análise de Helena, a pressão contra o aborto tem se intensificado nos últimos três anos, mas como parte de um movimento que vinha ganhando força há cerca de dez anos. Em 2013 ocorreu o último Fórum Interprofissional para Atendimento Integral à Mulher Vítima de Violência Sexual. “Desde então, os profissionais de saúde dos serviços não possuem um espaço que dê apoio à manutenção e abertura de serviços nas regiões mais descentralizadas do país”, aponta Helena em um artigo. Para a médica, a falta de formação e estímulos para ampliação de serviços faz com que somente uma pequena minoria de mulheres receba atendimento médico adequado. “Infelizmente, a desassistência é o padrão”, diz.

No pequeno município do norte de Minas Gerais, aonde as normas técnicas do Ministério da Saúde parecem não chegar, Gabriela saiu do hospital sem ter recebido o atendimento previsto para vítimas de violência sexual. “Depois eles chamaram a polícia e a viatura nos levou pra casa”, lembra.

Quando dois meses depois a adolescente descobriu que estava grávida, entrou em desespero. Sua mãe procurou uma advogada para saber o que poderia ser feito. “Nessa hora, percebi que elas não sabiam que Gabriela tinha o direito de interromper a gravidez causada pelo estupro”, conta a advogada* que atendeu a adolescente. Como acontece com muitas outras vítimas de violência sexual, Gabriela não tinha ideia de que o aborto em caso de estupro é um direito estabelecido em lei desde 1940.

No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida em casos de violência sexual, risco de vida da mulher gestante ou no caso de o feto ser anencéfalo. O procedimento é considerado de baixa complexidade e, segundo portarias técnicas, hospitais preparados para cuidados ginecológicos teriam estrutura suficiente para oferecer o serviço. Porém, em todo o país somente 42 hospitais fazem o aborto legal — segundo dados do Mapa do Aborto Legal, atualizados em 2020.

Pela normas, em casos como o de Gabriela, que vive em uma cidade sem o serviço, a paciente deveria ser redirecionada para um hospital que oferecesse o aborto legal. Para o procedimento, não é necessário Boletim de Ocorrência ou autorização judicial.

“Mas ela ficou com muito receio porque a cidade aqui é pequena, tem 30 mil habitantes. Como já tinha ido ao hospital e não tinham ajudado, nós fomos para a via judicial”, conta a advogada da menina.

No pedido encaminhado à juíza, a advogada conta ter anexado o Boletim de Ocorrência registrado por Gabriela, o Inquérito Policial que investigava o estupro e laudos psiquiátricos que apontavam a piora do quadro depressivo da adolescente após a violência sexual e a gravidez indesejada.

Fonte: Globo.com

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