O significado de tudo que o artista visual Mardilson Torres, de 45 anos, quis mostrar em sua nova obra extrapola as arestas da tela exposta no salão Hélio Melo, em Rio Branco. Intitulado como “A Cura”, o trabalho aborda de forma lúdica e filosófica a dualidade da vida humana, com recortes dos últimos acontecimentos especialmente no Acre.
Com um espiral no centro do quadro, ele reúne o que, segundo ele, envenena a harmonia entre os seres humanos.A dualidade do que é real. Recortes mostram um pouco do drama que o Acre viveu nos últimos meses: pandemia, queimadas, cheias dos rios e a crise migratória.
“A pandemia é o que a gente está vivendo no momento. No meio da tela, fiz um espiral, que é como se fosse um espiral da morte. A relação do homem com o meio ambiente, com outro homem, o homem egocêntrico, o homem que atea fogo na floresta e joga o lixo no chão. Hoje estamos vaidosos, conectados demais com o virtual e sendo manipulados por uma mão, que é como se fosse a mão de ferro do capitalismo, que é esse sistema bruto. A gente sendo bonequinho do sistema”, avalia.
O artista diz que a proposta é fazer com que as pessoas possam refletir como estão vivendo atualmente. Ele cita o sociólogo Zygmunt Bauman ao dizer que as coisas, as relações não são sólidas e que isso acaba afetando a harmonia.
“O homem quer ser superior, mas na verdade estamos aqui no mundo com o propósito de semear coisas boas e viver em harmonia com outros seres vivos e não para dominar outras coisas pra ganhar dinheiro. Tudo é em busca do dinheiro e vivemos nessa filosofia do medo, angústia e depressão. Como diz Bauman, a gente vive relações líquidas, as coisas são muito fugazes, não tem mais aquela estabilidade”, diz.
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Artista reproduziu imagem em que médico aparece atendendo criança em cidade alagada no Acre — Foto: Arquivo pessoal e Lucas Melo
‘A cura’
O quadro faz referência a políticos, à luta pelo poder e também à destruição da Amazônia, com as queimadas, com o uso de agrotóxico. O homem em busca do dinheiro, correndo contra o tempo e destruindo as relações e o meio onde vive, na visão de Torres.
É possível ver também um profissional da saúde exausto, sem muitos recursos, ao lado de um um paciente no leito de um hospital. O que remete a pandemia no estado acreano há mais de um ano.
Porém, no meio desse espiral, cheio de recortes tão realistas, uma bolha se rompe e fora do espiral o artista demonstra também como se dá essa cura.
Nessa parte, ele recria imagens que mostram boas ações. Entre elas, a famosa imagem do médico que atende uma criança em Tarauacá durante uma cheia. O médico Rodrigo Damasceno, com água na cintura, faz o atendimento e foi destaque nacional.
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Menino haitiano cumprimentando policiais na fronteira também marcou crise migratória no Acre em fevereiro — Foto: Arquivo pessoal e reprodução
Outra imagem que marcou mais uma crise migratória no Acre também compõe o quadro de Torres. Um menino imigrante cumprimenta os policiais peruanos que impedem que os imigrantes sigam viagem.
“Fora desse espiral da morte é onde acontece esse despertar da consciência, representado por um homem se libertando dessa bolha que é esse mundo. Um desses recortes que considero um símbolo de resistência é justamente o garotinho haitiano que dá a mão aos policiais que não os deixavam passar.”
Há ainda exemplos de pessoas vivendo em ecovilas, protegendo os animais e cuidando do que vivem. Segundo o artista, o despertar é justamente quando o ser humano passa a pensar no coletivo. Além disso, também retrata a meditação, a cultura indígena através do xamã e o pajé.
Há recortes também do ayahuasca, usado em algumas religiões como o daime, e como ele é usado para a cura.
“É uma obra para a gente refletir e estudar sobre nossas práticas, nossas coisas. Quando eu estava finalizando meu quadro, diversos parentes foram acometidos pela Covid, perdi até um tio meu e, também por conta disso, o nome da obra é a ‘Cura’. É sobre isso também: às vezes a gente não tem empatia e acaba sentindo somente quando acontece com a gente.”
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Quadro está em exposição na capital — Foto: Arquivo pessoal
Exposição
A obra está exposta junto com outras 80 no 7º Salão de Artes Visuais Hélio Melo, que ocorre na galeria Juvenal Antunes, em Rio Branco. A exposição foi feita on-line e faz parte de um projeto da Associação dos Artistas Plásticos do Acre (AAPA).
Mardilson Torres, que é da cidade de Bujari, é autodidata e desde pequeno trabalha com arte, desde pinturas de quadros e até charges. Apaixonado pelo o que faz, ele aperfeiçoou técnicas com cursos ao longo desse tempo e sempre continua estudando para compor suas obras.
Fonte: G1