Tara Blair Ball, uma coach de relacionamentos em Memphis, nos Estados Unidos, conheceu seu ex no site Match.com. Eles se conectaram imediatamente.
— Ele parecia minha alma gêmea. Eram as pequenas coisas: nós dois falávamos sobre as diferenças no antigo filme do Homem-Aranha, com Tobey Maguire, e os quadrinhos. Muitas pessoas não sabiam sobre esses detalhes, era como uma experiência de vínculo.
Em sua primeira ligação, eles falaram durante oito horas — tanto tempo que Tara chegou tarde no seu trabalho, na loja Target, e foi demitida:
— Eu interpretei como um sinal de que eu deveria estar conectada a ele — disse rindo.
Quando os sinais vermelhos começaram a aparecer, Tara os deixou de lado:
— Ele começou a agir com ciúmes e queria saber onde eu estava, o que estava fazendo, com quem eu estava falando, por quanto tempo eu iria ficar lá e quando eu estaria de volta.
Em vez de reconhecer como sinais de atenção, Tara interpretava essas atitudes como afeto:
— Nós rapidamente estávamos falando sobre casamento e morar juntos. Eu sentia como se não pudesse ficar longe dele por muito tempo, eu estaria em abstinência.
Se a situação parece conter algumas marcas de um vício, é porque ela contém. E, como muitos viciados, Tara levou um longo tempo para reconhecer e admitir que ela estava vivendo algo chamado de “vício em amor”.
A definição do “vício em amor” é difícil de entender. O grupo Sex and Love Addicts Anonymous (Viciados em Sexo e Amor Anônimos) descreve como uma dependência extrema em uma pessoa por meio da qual “relacionamentos ou atividades sexuais se tornam cada vez mais destrutivos para a carreira, família e senso de respeito próprio”.
Helen Fisher, uma pesquisadora sênior do Instituto Kinsey, da Universidade de Indiana, e uma das principais especialistas em amor romântico, define como qualquer relacionamento que leva a um “desejo obsessivo e pensamento intrusivo”, ou seja, pensamentos impulsivos e indesejados.
Uma análise sobre 83 estudos estimou que cerca de 3% da população teve um problema sério com “vício em amor” durante um determinado ano. Esse número é de cerca de 10% entre jovens adultos.
Olhando no TikTok, rede social em que Tara começou a compartilhar suas experiências, você talvez imagine que o número de viciados em amor seja até maior. A hashtag #ToxicRelationship (Relacionamento Tóxico) acumula mais de 1,7 bilhão de visualizações, e termos relacionados, como “Love Addiction” (Vício em Amor), “Love Addict” (Viciado em Amor) e “Codependency” (Codependência), chegam a mais de 320 milhões.
Seja contando suas histórias ou reagindo às dos outros, as pessoas estão encontrando cura e comunidade no aplicativo, postando os sinais do “vício em amor” com memes e dicas.
Onde quer que você decida compartilhar suas experiências, é importante ser capaz de reconhecer quando um romance dos sonhos se transforma no “vício em amor”.
O “vício em amor” é mesmo real?
— (Para) qualquer pessoa que diga não ser um vício, tudo que eu posso lhe dizer é que nós olhamos dentro do cérebro — disse a professora Helen Fisher.
Por meio de uma ressonância magnética funcional, a pesquisadora e seus colegas estudaram amor romântico e encontraram atividade cerebral aumentada em uma região chamada de núcleo accumbens, “que se torna ativa quando qualquer coisa se torna um vício – álcool, nicotina, cocaína, heroína, anfetaminas ou qualquer uma dessas coisas”, explicou Fisher.
Mas algumas pessoas na comunidade científica nem mesmo aceitam o “vício em amor” como diagnóstico. “Vício em amor é um conceito contestado”, diz Brian D. Earp, diretor associado do Programa de Ética e Política de Saúde de Yale-Hastings, da Universidade de Yale, que estudou o fenômeno. Ele notou que algumas das discordâncias se resumem à própria definição do amor.
— Alguns filósofos feministas argumentam que, se um relacionamento é tóxico ou abusivo, ele não deveria nem ser chamado de amor — diz Earp, e acrescenta que algumas pessoas preferem o rótulo “vício em comportamentos de relacionamento tóxicos”.
Para deixar ainda mais complicado, especialistas também não concordam na definição do que é um vício. Brian D. Earp afirma que alguns neurocientistas acreditam que algo chamado de vício precisa ser ruim para você.
Portanto, “se você depende de uma atividade que pode ser classificada como prejudicial para sua saúde, mas é totalmente compatível com uma vida próspera, alguns especialistas diriam que não há razão para chamar isto de vício”, disse.
Amor saudável versus amor viciante
Quer você acredite ou não que o “vício em amor” seja real, pensar em um relacionamento tóxico como um vício pode ser útil para alguém que está lidando com as consequências de uma parceria doentia.
—O resumo é isso: um relacionamento doentio tende a envolver a procura por uma onda de dopamina e envolve poder e controle — diz Steven Stussman, professor de medicina preventiva, psicologia e assistência social na Universidade do Sul da Califórnia.
Aqueles que estão passando por uma experiência de “vício em amor” “têm o padrão de comportamento de um viciado”, acrescenta Fisher. A pesquisadora explica que isso pode se manifestar em mudanças de humor, do desespero à euforia, e numa disposição em tolerar o abuso.
Além disso, suas personalidades podem mudar quando estiverem viciados, levando a alterações no estilo de vida ou a uma tendência em distorcer a realidade.
A especialista em alfabetização de Houston, nos Estados Unidos, Synthia Smith, disse que sucumbiu a esses sentimentos com seu agora ex-namorado:
— A perspectiva de viver minha vida sem ele era insuportável, eu estaria emocionalmente morta — lembrou Synthia.
Passando por um relacionamento tóxico
Envolver-se com alguém que compromete sua saúde mental pode ser uma experiência assustadora e solitária. Quer você acredite ser um “viciado em amor”, ou apenas alguém que precisa de ajuda para sair de uma situação ruim, existem recursos que você pode consultar e atitudes saudáveis que podem ser tomadas.
Encontre uma comunidade
Katlynn Rowland, dona de uma empresa de faxinas em Ocala, na Flórida, estava envolvida com um homem que abusava emocionalmente dela quando encontrou os TikToks de Synthia Smith sobre gaslighting.
— Quase me senti bem quando assisti aos vídeos pela primeira vez, porque parecia que estava sendo validada e que não estava louca — disse a empresária.
Os vídeos de Synthia deram a Katlynn a coragem para deixar seu ex-namorado — e para postar sobre no TikTok:
— Eu estava com medo de postar no início porque sabia que ele iria enlouquecer. Mas, desde que Synthia disse que ela não ligava para o que seu ex pensava mais, eu fui capaz de me livrar daquele medo — contou Katlynn.
Brian D. Earp diz que essa é uma experiência comum:
— Pode ser reconfortante para as pessoas dar um sentido público à sua experiência, em vez de apenas considerá-la um fenômeno privado.
Eduque-se
— É importante educar a si mesmo sobre como o “vício em amor” funciona para você, para entender as camadas e nuances de como ele atua na sua vida — explica Kerry Cohen, terapista e autora do livro “Louco por você: quebrando o encanto do vício em sexo e em amor”.
— É importante educar a si mesmo sobre como o “vício em amor” funciona para você, para entender as camadas e nuances de como ele atua na sua vida — explica Kerry Cohen, terapista e autora do livro “Louco por você: quebrando o encanto do vício em sexo e em amor”.
Isso pode incluir encontrar um grupo de suporte — como o Sex and Love Addicts Anonymous (Viciados em Sexo e Amor Anônimos) ou Love Addicts Anonymous (Viciados em Amor Anônimos) — e conversar com um terapeuta ou um psiquiátrico especializado em “vício em amor”. É importante consultar um profissional, e não fazer um autodiagnóstico.
Pratique conversar por mensagens de texto de forma saudável
Conversar por mensagens de texto pode ser um potencial campo minado para os viciados no amor, pois muitas vezes há espaço para falhas de comunicação, levando à ansiedade e ao medo. Kerry Cohen afirma que essas pessoas devem evitar falar sobre sentimentos por mensagem de texto com o parceiro, especialmente sobre emoções negativas.
— Esta será uma boa prática para você controlar seus sentimentos até poder falar pessoalmente, e pode lhe dar a pausa necessária para saber como responder sem reagir — escreveu a autora.
Pare de guardar segredos
Muitas pessoas viciadas em amor mantêm partes de si mesmo e de suas vidas em segredo de seu parceiro para fornecer o que Cohen chamou de “senso artificial de autonomia”, uma maneira de evitar conflitos. Embora ter privacidade seja apropriado em um relacionamento, guardar segredos não é.
Viciados em amor muitas vezes “mentem sobre seu passado e tentam ser alguém que eles acreditam ser quem o parceiro queria que eles fossem”, escreveu Cohen em seu livro. Ela aconselhou os parceiros a compartilharem honestamente um com o outro, especialmente sobre suas lutas com vício em sexo ou em amor.
Considere nenhum contato
Depois de ter construído um time de apoio, você pode decidir se, quando e como você deve acabar um relacionamento tóxico. Com seu terapeuta, considere o que o Cambridge Handbook of Substance and Behavioral Addictions (Manual de Cambridge sobre Dependências de Substâncias e Comportamentos) chama de “uma política rígida de não contato, evitando qualquer forma de comunicação com o ex-parceiro que possa desencadear sentimentos renovados de desejo e retardar o processo de cura”.
Os programas de doze passos geralmente aconselham os viciados a remover tudo que pode relembrar o vício, incluindo todos os contatos nas redes sociais, fotos, músicas ou lembranças.
— Alguém está acampando em sua cabeça, você precisa tirá-los de lá — diz Fisher.
Tente um plano de namoro
Pode ajudar desenvolver um plano de namoro com seu terapeuta, que pode ser um guia útil para encontrar um relacionamento novo e saudável. Comece identificando uma ação que trouxe consequências negativas em seu passado.
Alguns viciados em amor podem fazer sexo muito rapidamente com um parceiro e, com isso, ficarem muito apegados. Nesse caso, pode ser útil estabelecer uma regra para apenas fazer sexo depois de entrar em um relacionamento sério.
— Ninguém sai do amor com vida. As pessoas vivem por amor, anseiam por amor, matam por amor e morrerão por uma pessoa amada. É um dos sistemas mais poderosos do cérebro que desenvolvemos — ressalta Fisher.
Depende de você se essa energia será aproveitada para uma experiência romântica positiva ou negativa.
Fonte: Bem Estar