A Polícia Civil concluiu e encaminhou à Justiça o inquérito sobre a morte do picolezeiro Gilcimar da Silva Honorato, de 38 anos, no dia 12 de dezembro, no Conjunto Esperança, em Rio Branco. O policial penal Alessandro Rosas Lopes foi indiciado por homicídio doloso, quando há intenção de matar. O processo corre na 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar.
Honorato foi atingido com dois tiros pelas costas disparados pelo policial penal durante uma discussão nas proximidades de um bar. Ele e o policial entraram em luta corporal durante a confusão e Lopes chegou a ser ferido no braço. O servidor público foi preso em flagrante horas depois do crime.
O delegado responsável pelo flagrante, Adriano Araújo disse que a versão dada pelo polícia penal durante a prisão de legítima defesa não convenceu, já que imagens de câmeras de segurança mostram ele correndo atrás da vítima para atirar.
“Se o judiciário achar que deve pedir a diligência quanto à identificação da pessoa que estava com o policial penal no dia dos fatos, até mesmo como testemunha, aí já não vai ficar com a Defla e sim com a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. Por eu acreditar que já tenha elementos suficientes que apontem a autoria do policial penal, encerrei o inquérito e foi para a Justiça”, disse o delegado.
Dois dias após o crime, a Justiça converteu para preventiva a prisão em flagrante do policial penal. Segundo o delegado, o servidor público está preso em cela separada no Complexo Penitenciário de Rio Branco. O G1 tentou confirmar o local da prisão do policial com o Instituto de Administração Penitenciária (Iapen-AC), mas não obteve resposta até última atualização desta reportagem.
Vídeo do policial perseguindo vítima
A produção do Jornal do Acre 1ª edição conseguiu, com exclusividade, ter acesso as imagens da câmera de segurança que registrou parte da movimentação em frente ao bar onde o policial matou o picolezeiro.
Nas imagens, é possível ver que Gilcimar chegou ao bar às 9h do dia 12. Logo depois, o policial penal chega em um carro vermelho acompanhado de um amigo. Por volta das 09h50, há uma movimentação na entrada do bar.
Gilcimar sai e pega algo que a polícia acredita ser faca no carrinho de picolé, quando ele volta para entrada do bar, leva um tapa do policial penal e reage, o ferindo no ombro. Em seguida, o picolezeiro sai correndo e some das imagens. Já Alessandro, sai do bar, vai no carro, pega a arma, e começa a perseguir a vítima e some das imagens.
Menos de dois minutos depois, ele volta ao bar acompanhado de outro rapaz que a polícia ainda não sabe quem é. As imagens registram ainda a correria e um tumulto na região da rua aonde o policial atingiu o picolezeiro.
Alessandro e a pessoa que estava com ele entram no carro e saem em alta velocidade, quase atingindo um carro que estava parado próximo ao local. Às 10h, as pessoas do bar guardam o carrinho do picolezeiro.
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Vendedor de picolé Gilcimar da Silva Honorato foi morto no último dia 12 de dezembro, em Rio Branco — Foto: Arquivo
Defesa
Ao G1 nesta segunda-feira (28), o advogado do policial, Alfredo Jares Daou voltou a afirmar que prefere não se pronunciar sobre o caso para não prejudicar o andamento do processo. “Continuo com o mesmo posicionamento de não me pronunciar referente aos fatos que estão em curso.”
O advogado Alcides Pessoa, que acompanhou o policial penal na delegacia no dia da prisão, chegou a dizer que a defesa iria trabalhar para manter a tese da legítima defesa, que foi desqualificada pelo delegado.
“A defesa vai tentar trabalhar para manter a legítima defesa, ele foi esfaqueado, desviou. Se não desvia, teria pegado no rosto ou pescoço dele e poderia ter ido a óbito. Então, foi uma reação espontânea e até profissional. Até porque ele é um agente de segurança pública. A defesa vai trabalhar e vamos pegar tudo o que for preciso para dar um julgamento justo”, afirmou.
Conforme o exame de corpo delito feito no policial, o perito constatou um ferimento de arma branca no ombro, o que classificou como “lesão de natureza leve”. Além de escoriações no ombro, mão e tornozelo.
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Alessandro Lopes está preso em cela separada no Complexo Penitenciário de Rio Branco — Foto: Arquivo pessoal
Tentou apartar briga
A família do vendedor de picolé disse que ele nunca esteve envolvido em brigas e que no momento em que ele foi morto tentava defender uma pessoa que estava sendo agredida pelo policial penal Alessandro Rosas Lopes.
“Sei que ele estava vendendo picolé, passou pelo bar e esse agente estava bebendo, quando ele passou pelo local, teve um deles que chamou meu menino para comprar picolé. Ele fez a volta e vendeu o picolé e tinha essa briga dentro do bar, esse homem da polícia batendo no outro e, como ele conhecia todo mundo lá, foi tentar interromper a briga”, contou a mãe de Honorato, Lucinda Severo.
O advogado Alcides Pessoa confirmou essa versão de que houve a discussão com uma terceira pessoa.
“Ele [Alessandro] comentou que teve a discussão e que não era com o Gilcimar, foi com um terceiro. Não falou o nome. Aí parece que o picolezeiro se meteu e houve a briga, teve empurrões e lá ele bateu no cara [Gilcimar], que puxou a faca e esfaqueia, tentando acertar ele [Alessandro] na face, que desvia e acerta no ombro. Nesse momento, ele corre para o carro, e contou que o Gilcimar correu atrás dele, só que quando viu que tinha pegado a arma, correu e ele atirou. Essa foi a informação que ele repassou”, contou.
Mãe pede por Justiça
Abalada, a mãe disse que passou mal quando recebeu a notícia. Ela pede justiça pela morte do filho. Lucinda contou que o vendedor deixou um filho e lamentou, porque ele é quem a ajudava.
“Quero justiça. Porque do jeito que ele fez com o meu filho, pode fazer com qualquer outro, e até mesmo com uma mulher. Nunca vi um policial bêbado, no bar a noite toda com uma arma de fogo. Ele já vem com intenção de fazer o mal a qualquer um próximo. Eu tinha dois homens e duas mulheres e fiquei com um homem só. Ele quem me ajudava em tudo, fazia o dinheirinho dele e mandava para mim. Perdi meu filho. Não sei o que eu faço”, chorou.
Outros crimes
O G1teve acesso ao processo e, conforme a certidão de antecedentes criminais do policial, ele tem ao menos seis ações na Vara de Proteção à Mulher com relação a crimes de ameaça, difamação e violência doméstica contra mulher.
A primeira ação é de agosto de 2010 de uma mulher pedindo medidas protetivas de urgência, após denunciar que foi vítima de ameaça. Segundo o documento, naquela data, a mulher teria sido agredida verbalmente, além de ser ameaçada de morte pelo policial.
No mês de setembro daquele mesmo ano, um outro inquérito policial foi instaurado após denúncia de difamação contra o policial.
Passados quatro anos, a mesma mulher que fez a denúncia em 2010 pelo crime de ameaça, voltou a pedir medida protetiva contra o servidor público, em junho de 2014. Em abril de 2017, a Vara de Proteção à Mulher recebeu uma nova ação, dessa vez por violência doméstica contra a mesma vítima.
Em janeiro de 2018, a mesma mulher registrou mais uma denúncia também de violência doméstica. A última ação movida por essa vítima foi em fevereiro de 2020, tratando novamente de violência doméstica. Sobre esse último caso, a denúncia foi oferecida em março deste ano e recebida pela Justiça ainda em março.
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Gilcimar chega ao bar por volta das 9h de domingo (6) — Foto: Reprodução
Prisão em casa
Após os disparos, Lopes saiu do local em seu carro, mas a população anotou a placa do veículo e repassou para a PM. Ele foi encontrado horas depois em casa e levado para a delegacia.
O picolezeiro ainda chegou a ser socorrido por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), levado ao pronto-socorro, mas morreu após ter uma parada cardiorespiratória.
“Alegou uma possível legitima defesa, afirmando que o picolezeiro entrou em perseguição com ele e, no momento em que conseguiu pegar a arma no veículo, desferiu disparos para parar uma injusta agressão. Porém, as imagens mostram o contrário, mostram que o picolezeiro deu uma facada que atingiu o ombro do Alessandro e após isso ele se afasta e sai correndo do ambiente. Nessa oportunidade, o Alessandro vai até o carro dele, pega a arma de fogo, sai em perseguição e atira pelas costas do Gilcimar, que veio a óbito”, relatou o delegado na época da prisão.
O delegado acrescentou ainda que a polícia apreendeu a faca utilizada pelo picolezeiro e o revólver do servidor público.
Iapen acompanha o caso
O Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC) informou na época do crime que estava acompanhando o caso juntamente com a Corregedoria do órgão. A direção disse ainda que iria tomar as medidas administrativas cabíveis, mas que, por enquanto, a situação está a cargo da Polícia Civil e do Poder Judiciário. Nesta segunda, o G1 também tentou atualizar a situação do policial junto ao Iapen, mas aguarda resposta.
Uma nota, assinada pelo presidente da Associação dos Servidores do Sistema Penitenciário do Acre (Asspen), Eden Azevedo, no dia da prisão afirmava que o policial penal agiu em legítima defesa, após ter sido atingido pela vítima com um golpe de faca no ombro.
“É importante salientar, que o policial penal só sacou a sua arma após ser ferido por um golpe de faca, desferido pelo Sr. Gilcimar, na direção de seu pescoço, ferindo o ombro do agente de segurança pública”, destacou.
Fonte: G1